Humanidade e vírus: o que há em comum?
Que
similaridade poderia haver entre os seres humanos e a mais simples das
criaturas? Talvez não possa nem ser chamado de criatura, se utilizamos a
corrente científica que assume que um ser vivo precisa de uma organização
minimamente celular. O que não podemos negar são os estragos que uma simples
molécula de DNA ou RNA pode fazer.
Os vírus são difíceis de combater, devido às suas propriedades mutagênicas. Contudo, para muito além das dificuldades enfrentadas pela ciência ao lidar com eles, há uma reflexão que gostaria de suscitar: temos algo em comum com estes agentes infecciosos com os quais digladiamos.
Tal como
os vírus, nossa organização social nos impele à proliferação desenfreada, ainda
que essa proliferação destrua o nosso hospedeiro. Quem seria nosso
hospedeiro? Existem pessoas que sugam as outras em uma relação não
mutualística, mas este tipo de parasitagem foge ao escopo deste texto.
De
maneira geral, todos nós nos hospedamos no planeta terra e estabelecemos
com nosso planeta uma relação, por vezes, bastante degradante. Quem já assistiu
ao filme The Matrix (1999), talvez
se recorde de uma fala do agente Smith, uma máquina, reproduzida a
seguir:
Eu gostaria de compartilhar uma revelação que tive durante meu tempo aqui. Veio a mim quando tentei classificar a sua espécie. Percebi que vocês não são realmente mamíferos. Todo mamífero neste planeta desenvolve instintivamente um equilíbrio natural com seu meio ambiente; vocês não fazem isso. Vocês se mudam para uma área, se multiplicam e se multiplicam até que todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é se propagando para outra área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão: os vírus. Seres humanos são uma doença, um câncer neste planeta. Vocês são uma praga, e nós somos a cura.
O que o agente Smith disse é um
retrato do comportamento de muitos humanos. Um vírus não faz projeções sobre o
futuro do seu hospedeiro. Ele apenas se replica indefinidamente, ainda que este
comportamento ocasione o colapso do organismo que infecta, levando-o a outro
organismo. Isso não está muito distante do comportamento de muitos humanos.
No entanto, não temos outro planeta como a terra
para hospedar (até onde sabemos e alcançamos) e o colapso da terra significaria
nosso próprio colapso. Não é difícil encontrar notícias que apontam para a
diminuição dos níveis de poluição durante essa quarentena forçada pelo Corona
vírus. Em Veneza, na Itália, as águas se exibem cristalinas e há
peixes pelo cais da cidade. Animais silvestres têm sido avistados onde antes só
circulavam humanos.
Em meio ao caos sanitário e econômico que estamos
vivendo, a natureza parece estar agradecendo pelo fato de o “humano vírus” ter
entrado em estado de hibernação. Este agradecimento não se traduz apenas na
repaginação da natureza que a torna mais aprazível aos nossos olhos.
Se por um lado há um vírus que nos fustiga, a qualidade do ar tem melhorado com menores emissões de
poluentes como dióxido de carbono, o que favorece a diminuição de
problemas respiratórios decorrentes da poluição. Acidentes de trânsito tendem a cair consideravelmente devido
ao recolhimento humano.
Se um vírus tivesse um único hospedeiro à
disposição e recebesse um sopro de consciência e racionalidade, ele com certeza
hibernaria ocasionalmente quando percebesse fragilidade no organismo em que
hospeda.
Em meio a
este recolhimento, temos a chance de atestar de forma ímpar o valor de uma
companhia, ainda que essa se dê por meios virtuais. Uma oportunidade ímpar de
conhecer melhor aquele familiar com quem mal conversávamos, pois andávamos
sempre embalados pelo frenesi da urbanidade.
E uma
oportunidade ímpar de conhecer a si mesmo, meditar, refletir, ler um bom livro, assistir a um bom filme, brincar com o seu animal de estimação...
Tantas coisas pequenas que compiladas podem conferir às nossas almas uma
vivacidade sem igual. Um ano ideal para refletir e para fazermos a mais rica
das viagens que um ser humano pode empreender: uma viagem através da própria
alma.
Não
adentrarei a polêmica discussão da paralisação das atividades econômicas.
Necessitamos de dinheiro. Para desde as questões mais básicas até as mais funestas
como um sepultamento. Mas o dinheiro deve ser um meio e não um fim. O
ser humano precisa de uma mutação evolutiva, mas não de uma face virótica.
E que não
precisemos passar por crises, pandemias e colapsos para atingirmos essa
evolução.
1 Recados
Um texto repleto de muita reflexão, circunspeção e sensatez. Estamos vivenciando um momento de marco histórico e experienciando a oportunidade de nos conhecer (conhecer a si mesmo) e conhecer o valor do nosso próprio lar, família e aconchego. Um discurso pujante.
ResponderExcluirE você, o que achou do post? Me conte aqui nos comentários!
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