#16: O chute interior

by - setembro 30, 2020

carta para irmão


De: Beatriz;

Para: Caio.



Demorei algum tempo para sentar e escrever. Você sabe, você é meu irmão. Erramos em ter feito aquilo e, agora, pagaremos o preço — cada um ao seu modo. Poderíamos ter aproveitado a infância, adolescência e a pré-liberdade de um adulto, porém, não. Estávamos loucos, possuídos de demônios? Por bem, não quero saber sua opinião. Ainda penso que a droga do prazer nos levou.



Peguei meus belos tecidos, minhas rendas, comecei a costurar lembrando-me de você. Francamente! Caio, você sabe que tem cara de um magnífico gênio? Vou mandar o seu, o do pai, o da mãe, para Deus. Ele saberá julgar o nosso amor. Quando você ler isso, Caio, terei partido, mas prometo, de tudo que é mais sagrado, que entrarei, de qualquer forma, em contato. Um dia, nos anos que virão, voltaremos estar juntos — deitando e rolando nos pântanos da floresta escura.



Preciso estritamente de um tempo. Estou dando tudo em um único momento — ou dois, quem sabe. Estou dando um momento, por você. Só por você. O momento está pausado, todo ele. Isso, aqui, está chutando pesadamente. Isso está chutando, aqui, dentro. Esse momento, esse chute, me fez deixar você, ora, para trás — para te manter bem, aquecido, feliz. Sua irmã, nasci. Você irá me perder pouco mais, Caio. Você deve me perder, contudo, não se assuste, isso acontece (e muito). Me perder não será igual uma flecha disparada na tempestade assassina, querido irmão.



Lembra? Você e eu, no colo do papai, sentado na cadeira de balanço, balançando, juntos, felizes? Vivemos tantas coisas, irmão. Que bom, né? Espero que você tenha gostado. Viver com o melhor irmão trouxe vantagens. Nós não choramos, apesar de emocionante, lendo aquela velha mitologia — achávamos tão cafona, tão estranha. Irei voltar para casa, irmão. Irei, um dia, Caio. Vou voltar, mas não agora. No dia que o Sol e a Lua se reencontrarem, brilhantes e felizes, na colina.



Aqui dentro dói tanto, irmão. Sinto tão triste pelo ocorrido; como fomos fazer aquilo? Repito a pergunta: estávamos loucos, possuídos de demônios? Este momento que estarei dando, fará bem tanto para mim, quanto para ti. Ou melhor, será muito melhor para ti. Caio, querido, isso está chutando, aqui, dentro, pesadamente. Penso que não irei aguentar por muito tempo. Dói completamente, compreende? Não fale nada para o papai e, muito menos, para mamãe. Ela teria um treco. A dor que sinto, ninguém, por mais pecador que seja, merece sofrer.



O chute interior, aqui, em minha barriga, não afetará nossa família nunca mais.



Minha ida embora, me perder, não será igual uma flecha disparada na tempestade assassina, Caio. Você viverá bem, junto a todos. Beije mamãe por mim. Abrace papai por mim. Sentencie por fim: the kick inside.


De sua irmã gêmea, Beatriz. Te amo, querido irmão.

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