Quando me vi no espelho do tempo

by - junho 29, 2018


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Olho pela janela do ônibus e sinto que o tempo faz exatamente como a paisagem lá de fora: passa tão rápido que só vemos os borrões percorrendo os milésimos de segundos que se estendem ao longo da corrida. A vida é essa corrida. Sem esperar, vai correndo, engolindo idas, vindas, corredores, dores. Sinto que a música que toca no player neste instante entende mais de mim que eu mesma. “Aceite, menina”, ela diz, ecoando dentro de mim. “Como?”, sussurro de volta. A verdade é que eu sei que preciso fazer, mas não faço ideia de por onde começar.

De repente, pequenos pingos de chuva embaçam a visão borrada que eu tinha do tempo lá fora. A janela é inundada pela chegada das gotículas que compõem os respingos da água que desce. Como se fosse possível que a natureza leia minha alma, me vejo no chuvisco que, agora, assisto com certo arrepio nos poros. As gotas vão se acumulando na janela, da mesma forma que minha alma acumula gotas frias de lágrimas. Essas que não permito que desçam. Algumas gotas se tornam riscos de um molhado que foi puxado pelo vento, então novos pingos de chuva substituem as outras. É assim que sinto que acontece dentro de mim: a cada novo obstáculo, novos pingos do choro que não cheguei a chorar se misturam e formam um abstrato incompreensível.

Olho para o lado e o que vejo me faz estremecer ainda mais. Parecendo uma conversa sincera e secreta com a vida, a tempestade cai. O ônibus vai mais devagar por causa da chuva que engole tudo a nossa frente. Sabe quando a gente vai juntando choro e, de repente, quando as lágrimas começam a cair o choro acaba se transformando em algo ainda maior? Choramos todos os outros choros que não nos permitimos chorar até então, tudo ao mesmo tempo, até não sabermos mais o porquê de estarmos chorando. Com a tempestade, vejo a mesma coisa: um acúmulo de gotículas que se expandiram tanto que explodem sobre nós quando não dá mais para suportar.

Sem perceber, uma lágrima cai de meus olhos. Só uma. É que ainda não me deixo levar pela explosão que escorre pelas janelas do lado de fora para que o lado de dentro irrompa em lágrimas também. Se tudo se inunda lá fora, sinto a umidade invadir meu peito com a mesma força, só que estou cansada demais para ligar. Percebo que estou precisando muito de resolver essa coisa de não saber como fazer quando vejo que mais ninguém parece prestar atenção na chuva que invade as frestas da janela.

Só a minha cortina está aberta. Então eu sorrio pela primeira vez naquela manhã fria de junho. Talvez eu seja a única disposta a enxergar o mundo lá fora. Talvez eu seja a única que não esteja trancada em meu próprio mundo para notar que as coisas se repetem em todos os lugares.

Talvez eu esteja pronta para fazer o que eu não sei como, mas que irei descobrir simplesmente porque eu quero. Simplesmente porque eu posso. E vou.

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