Antes do amanhecer do próximo dia. Antes da noite chegar, do próximo mês
trazer novas expectativas. Do próximo ano trazer uma nova vida. Antes da minha
vida chegar a sua amarga ou doce metade, antes de tudo se realizar. Muito antes
de você conhecer minha nova visão de mundo. Antes daquilo que sonhamos fazer um
dia. Antes das flores inundarem o meu quintal na primavera. Antes do meu
esmalte já desbotado sair. Antes da cortina ser trocada. Da sala ganhar nova
cor. Da comida ficar pronta. Antes do filme repetir. Da música parar. Dos
passos divagar. Antes da tela ser pintada da sua cor predileta. Antes do
amarelado do lençol ser limpo. Antes do dia clarear e da escuridão se esconder
pelas ruas desertas da cidade.
Eu perdi você.
Muito antes de eu pensar em te escrever. De eu pensar em te dizer tudo
aquilo que, talvez, dentro da minha bola de estupidez, nunca disse. Perdi você,
muito antes mesmo, de eu chegar a pensar em te perder.
Foi cruel. Foi doloroso demais. Chorei muito, quis matar em mim essa
mania idiota de me calar quando, na verdade, devo falar. Devo esclarecer as
coisas e desenhar o que ainda ficar suspenso. Por que eu deveria ter tentado,
eu deveria ter tido um pouco mais de coragem e ter te dito tudo. Ter me dito
tudo. Porque, no fundo, nem eu mesma sabia. Mas eu sentia. Sentia tanto que
guardava. Mas não deveria. Eu poderia ter deixado muita coisa passar em branco,
menos os sentimentos que carreguei e carrego a vida toda por você. Sim, a vida
toda. Ou você acha que eu deixarei te amar?
Mas nem que o vento me leve para mais longe. Para outro rumo, outra vida.
Nem que eu durma durante séculos. Nem que eu te odeie por muitas burradas que
me fez cometer na vida. Nem que eu me odeio por não ter sido sincera o bastante
quanto ao que eu sentia. Eu ainda vou amar você. Como se a vida fosse eterna.
Como se os dias parassem no tempo quando sua imagem surge em minha mente. Como
se a noite não me trouxesse medo de andar pelo mundo a fora. Como se tudo que
vivemos, não tivesse jamais passado e virado passado. Porque, afinal, não
virou. Virou lembranças. Lembranças que eu jamais poderei esquecer. Que eu
jamais deixarei de contar.
Porque eu perdi você da pior forma possível. Daquela que, mesmo em
sonhos, não dá para voltar atrás e te trazer de volta.
Você foi embora e nem as malas levou. Deixou tudo aqui, sem sequer mexer
em nada. A bagunça permaneceu por poucos dias, mas seu sorriso ainda continua
rodopiando meus passos. Volta e meia, o vejo. Sempre lembro da sua voz, dos
seus cabelos. Lembro você. Lembro nossas aventuras, nossas gargalhadas
compartilhadas. E a única certeza que eu tenho até agora é que, independente de
como as coisas aconteçam e se tornem sofridas, sempre há um jeito de sofrer
sorrindo. Hoje, sofro sorrindo, choro sorrindo, mas não deixo de lembrar como
você foi e ainda é importante na minha vida. Porque hoje você faz parte da
minha eternidade.
- Sâmela Faria, Para alguém que já se foi