Quando nosso amor virou manchete

by - janeiro 31, 2017



Era uma manhã ensolarada. Eu colocava o lixo para fora no momento exato em que o caminhão estava vindo. Antes que eu pudesse me virar e largar o latão, senti suas mãos entrelaçarem minha cintura. Sinto os olhares dos vizinhos em nós. Sinto o céu sobre nossas cabeças. Sinto nossos pés se tocarem e nossos corpos se curvarem; nossas faces se fundirem em um só riso sincero. Sinto que o tempo para no momento exato em que nossos olhos se encontram pela primeira vez no dia. Ainda posso ver vislumbres de olhares em nossa direção. Minhas bochechas queimam e você as aperta com as duas mãos, esquentando o que sobrou de mim que ainda me dá atenção, já que meu corpo é inteiramente seu nesse momento.

Percebo, pelo canto dos olhos, que os vizinhos demoram um pouco mais para recolherem suas cestas e latões, trocam palavras, se cumprimentam além do “Bom dia” e continuam a nos lançar olhares curiosos. Tento me desvencilhar do seu hálito de hortelã do nosso novo creme dental. Tento me afastar do seu moletom macio e pele quente. Tento parar seus beijos que agora vão indo em direção ao pescoço. Faço gestos em vão para te afastar de mim, tudo isso aos risos altos. Tudo isso, registrando totalmente esse momento em meu terno coração. Tudo isso, fingindo não querer mostrar ao mundo o quanto de amor estamos plantando em nosso jardim. E o quanto ainda tem para florescer.

Agora as pessoas começam a dispersar, relutantes. Viramos um tipo de trailer de filme de comédia romântica. Viramos um tipo de clichê antes do café da manhã e de abrir as correspondências-bomba. Viramos um pontinho de esperança nos olhos daqueles que ainda procuram o amor. Percebo que desenham um leve sorriso em suas faces. Percebo que estão querendo saber mais sobre essa manchete que acabamos de virar. Sinto suas despedidas, mas sei que ainda espiarão pelas frestas das janelas, como sempre fazem todas as vezes em que damos às caras ao dia fora do nosso ninho de dentro. Sinto suas mãos subirem em minha lateral e suspiro, em um gesto de desistência. Você não só me atacou como deu ao público um pedacinho de nós. Somos tanto que nunca nos faltará o que mostrar.

As portas alheias se fecham. Ninguém nos cumprimentou. Ninguém nos deu bom dia. Não quiseram atrapalhar a novela. Não quiseram desperdiçar nosso tempo com a educação corriqueira. Não quiseram nos separar, nos fazer perder o efeito gritante dentro do peito que, de tão grande, se expôs em uma apresentação de bom dia. Você me vira de costas e me abraça. Sinto seu queixo se enterrar no alto da minha cabeça. Suas mãos acham as minhas, estão quentes, enquanto as minhas estão geladas. Por fim, você me joga sobre seu ombro como se eu fosse uma boneca, caímos na gargalhada mais alta da rua. Então percebo que você ainda não usou nenhum perfume, mas o mais estranho é que sinto como se não precisasse usar nada. Somos a nossa própria essência. Somos o nosso perfume de toda manhã, tarde e noite.

Acontece que nosso amor transbordou e há respingos por todos os lados.

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