Ela não está pensando mais tanto assim em suas qualidades,
talvez por se sentir uma voluntária da imperfeição. Da que não faz parte do
lado bom. E nem do lado ruim. Faz parte de nada, absolutamente nada. Ela não se
arrepiou quando sentiu o vento bater em sua nuca pelada de cabelo jogado
despenteado e embaraçado para cima – dizendo ser um coque bem feito. Soltou
apenas um riso de lado quando ouviu sua música predileta, mas se reprimiu aos
balanços desajeitados do seu corpo pelo ritmo. Piscou muitas e muitas vezes
quando enxergou a imagem cansada de sua pessoa na vitrine de uma loja qualquer.
Talvez, por não acreditar ser ela. Ou até mesmo, por simples desgosto, ou um
gosto curioso.
Ela anda tão corrido que não consegue enxergar seus próprios
passos. Deslumbra uma curva grande em sua testa toda vez que dá de cara com um
manequim vestindo rosa choque e salto alto. Acho que ela se recusa a se vestir
assim. Não sorri para ninguém que julga estranho. Mas cumprimenta o porteiro
como se fosse um alguém de sua família. Ela não empina seu nariz torto para
ninguém, olha por debaixo dos óculos que chamam mais ainda atenção para a
beleza de seus olhos brilhantes. Conserta o erro dos outros e, no entanto, não
sabe como consertar os seus. A timidez que lhe corroi não lhe permite mostrar
ao mundo todas as suas concepções de mundo e sua visão além do limite de alguns
que lhe cercam.
Ela abafa desesperadamente todos os gritos em pedido de
autonomia do seu interior. Alimenta seus pensamentos à prova de muitas leituras
constantes do que lhe dá agrado. Ela é um tanto quanto estranha para quem olhar
assim de longe. Entretanto, para quem se chegar mais, acaba descobrindo sua
preciosidade. É um pouco diferente, vai além dos padrões de beleza exercidos
pela sociedade medíocre, dos limites de visões eternas e medievais e até mesmo,
além do que os homens podem querer encontrar em uma mulher. Acho que por ela
ter um medo brutal. Um medo que não lhe deixa ser menos que tudo isso. Um medo
patético, mas que lhe ajudou a ser tão tudo que não confessa ser. O medo da
imperfeição lhe fez ser tão melhor do que nem ela mesma poderia prever.